Programa - Comunicação Oral Curta - COC33.1 - Saúde Mental e Interseccionalidade
01 DE DEZEMBRO | SEGUNDA-FEIRA
08:30 - 10:00
BURACO NEGRO: UMA LEITURA DECOLONIAL DO ANTIGO MANICÔMIO DE PARACAMBI / RJ – O HOSPITAL PSIQUIÁTRICO CASA DE SAÚDE DR. EIRAS
Comunicação Oral Curta
CUNHA, Rodrigo de M.1
1 IFRJ e FIOCRUZ
Apresentação/Introdução
A pesquisa se propõe realizar uma leitura decolonial do hospital psiquiátrico Casa de Saúde Dr. Eiras, localizado há cerca de 90 km do centro da capital do Rio de Janeiro, no município de Paracambi. Popularmente apelidado de buraco negro, a Casa de Saúde Dr. Eiras teve seu tempo de funcionamento entre os anos 1963 (fundação), 2004 (interdição) e 2012 (fechamento definitivo).
Objetivos
Dimensionar o sentido ético-político-existencial que entra em jogo no processo de desinstitucionalização dos usuários da Casa de Saúde Dr. Eiras, ao longo da primeira década do século XXI.
Metodologia
Combinando abordagens metodológicas ligadas à Etnografia (observação aberta) à História Oral (entrevistas semiestruturadas e grupos focais) e à Pesquisa Documental (análise documental), a pesquisa possui como objeto as percepções, vivências, afetos e sentidos conferidos pelos ex-usuários da instituição manicomial, familiares e amigos de ex-usuários, ex-trabalhadores, ativistas da luta antimanicomial e agentes do processo de desinstitucionalização sobre os anos de vigência do manicômio, o tratamento dispendido aos usuários, o impacto da instituição na vida daqueles(as) que por lá passaram, o processo de fechamento da instituição e o processo de reinserção social.
Resultados
Apesar da pesquisa estar em uma fase inicial, já é possível antever, por meio de alguns relatos, falas e testemunhos coletados quais são os limites e possibilidades para a Reforma Psiquiátrica brasileira quanto a tarefa de destruição da incompatibilidade absoluta entre loucura e pensamento, loucura e ação política. Em outras palavras, alguns limites e possibilidades para a Reforma Psiquiátrica brasileira quanto a tarefa de lutar pelo direito à desrazão (reivindicação que não depende do assentimento de uma constituinte).
Conclusões/Considerações
Com a pesquisa (e aqui revelamos a sua mais importante justificativa e relevância científica), pretendemos contribuir com subsídios histórico-filosóficos para o (re)dimensionamento ético-político-existencial inscritos no plano da Reforma Psiquiátrica brasileira, permitindo, assim, que, para além da dimensão técnica assistencial, ela possa ser encarada como um processo social complexo.
CONSTRUINDO UMA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ANTIRRACISTA: A EXPERIÊNCIA DO CENSO PSICOSSOCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Comunicação Oral Curta
PASSOS, R.G.1
1 UFRJ
Apresentação/Introdução
O presente trabalho objetiva apresentar a experiência prática do Censo Psicossocial dos usuários atendidos na Rede de Atenção Psicossocial do Estado do Rio de Janeiro (RAPS/RJ). A análise do perfil dos usuários proposta pela pesquisa vem sendo realizada em parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Coordenação de Atenção Psicossocial da Secretaria Estadual de Saúde (SES/RJ).
Objetivos
Apresentar a experiência de educação permanente desenvolvida pelo Projeto de Pesquisa e Extensão Luta Antimanicomial e Feminismos, junto a RAPS do Rio de Janeiro, dando destaque a primeira etapa do Censo Psicossocial.
Metodologia
A pesquisa-ação dividiu-se dois momentos: 1°) a realização de oficinas, na perspectiva da educação permanente e, concomitantemente, o levantamento realizado junto aos trabalhadores da saúde com o intuito de compreender a percepção sobre os atravessamentos dos marcadores sociais no atendimento e seus principais desafios; 2°) o mapeamento do perfil dos usuários atendidos nos Centros de Atenção Psicossocial e nos Serviços Residenciais Terapêuticos, no período de janeiro de 2022 a dezembro de 2023. Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UFRJ, parecer n° 6.664.051.
Resultados
Realizou-se 17 oficinas de educação permanente nas 9 regiões de saúde do Estado do Rio de Janeiro, atingindo aproximadamente 500 trabalhadores da saúde mental. Foram trabalhados a importância da interseccionalidade como ferramenta do cuidado em saúde mental, da necessidade do preenchimento do quesito raça/cor nos formulários e na inclusão do debate das relações raciais nos espaços coletivos dos serviços. Como um dos resultados temos serviços de saúde mental incorporando nas fichas de acolhimentos os marcadores sociais, solicitando a continuidade da formação nos espaços de supervisão e aderindo o material produzido pela equipe do Censo Psicossocial.
Conclusões/Considerações
Não possuímos sistemas de informação que disponibilizem dados próximos da realidade e que se interseccionalizam. Ou seja, não há um sistema único de prontuário eletrônico para as nove regiões de saúde, o que impacta diretamente na assistência prestada. Desta forma, dados se perdem e usuários chegam a ficar sem assistência por ficarem perdidos em meio aos dados da RAPS.
CUIDADO EM LIBERDADE E O PROTAGONISMO DO CONSULTÓRIO NA RUA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO - REFLEXÕES SOBRE O CUIDADO DE PESSOAS EM GRAVE VULNERABILIDADE PSÍQUICA E SOCIAL
Comunicação Oral Curta
Almeida, M. C. S. de.1, Vainer, A. A.2, Antunes, F. B. G.2
1 IPUB
2 SMS RJ
Período de Realização
A atuação desta equipe de Consultório na Rua (CNAR) teve início em maio de 2022 até o presente.
Objeto da experiência
Atuação do CNAR da Tijuca no cuidado em liberdade com pessoas em sofrimento psíquico no contexto de vulnerabilidade social nas ruas.
Objetivos
Descrever sobre as estratégias do cuidado em liberdade realizadas pelo CNAR, pautadas pelo respeito, dignidade e autonomia em casos graves.
Descrição da experiência
Os CNAR são equipes multidisciplinares, da atenção primária, de base territorial e itinerantes. Fornecem cuidado intensivo à partir da rua e na rua. Na prática o acompanhamento ocorre sempre para cada usuário, de acordo com as possibilidades e arranjos, evitando incorrer em violências que acabam por inviabilizar o cuidado pela negativa do usuário em sair da rua. As situações mais graves são de gestantes; agudeza clínica por miíase e doenças infecto-contagiosas; e uso intensivo de substâncias.
Resultados
A experiência de exclusão, miséria, adoecimento e racismo, com frequência nos apresenta pessoas em situação de rua com rigidez em aceitar as abordagens e intervenções. Nesse sentido, o trabalho do CNAR consiste em duas frentes: 1) insistir no contato com usuário, com presença diária, disponibilidade e baixa exigência; 2) articulação da rede formal e informal de cuidados.
Aprendizado e análise crítica
Sobre os casos, vemos a importância de avaliar todos os dias na rua, sinais, sintomas e risco, abrindo margem de negociação com os usuários na aceitação das contratualidades, entendendo que os mesmos não são sujeitos passivos, mas reafirmando o direito à saúde e proteção. Em paralelo, a rede formal e informal de cuidado, vai sendo articulada no território. A intensidade das equipes na rua possibilita conversas intermediadoras de acesso. Este processo leva tempo, tempo de construção de vínculo.
Conclusões e/ou Recomendações
A morte é um desfecho comum e sempre presente na interface deste trabalho. Apesar das gravidades enfrentadas, o CNAR aposta no vínculo para uma outra possibilidade de vida, onde possam receber algum acompanhamento, sem que a única possibilidade seja o cuidado compulsório ou involuntário
LETRAMENTO RACIAL E IMPLICAÇÕES DA BRANQUITUDE NA MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM SAÚDE MENTAL: EMERGÊNCIAS DECOLONIAIS PARA A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Comunicação Oral Curta
CHIABOTTO, C.C.1, PAULON, S.M.1
1 UFRGS
Apresentação/Introdução
Este trabalho decorre de uma pesquisa com trabalhadores de CAPSad da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS que cartografou os modos de subjetivação no cotidiano do trabalho em saúde mental como efeitos da colonialidade, compreendendo o processo de racialização como fundante das violências da modernidade e base da lógica manicomial de aprisionamento da loucura e medicamentalização da diferença.
Objetivos
Investigar com trabalhadores do CAPSad como a racialidade se expressa no cuidado em saúde e compreender, via colonialidade/decolonialidade, os modos de subjetivação na Reforma Psiquiátrica no cotidiano da política de saúde mental.
Metodologia
Foram realizadas oficinas na perspectiva da pesquisa-intervenção em dois CAPSad da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS. As atividades, enquanto dispositivos de Educação Permanente em Saúde, se utilizaram de textos, poesias e dados de relatórios públicos para discutir os desafios da Reforma Psiquiátrica frente à remanicomialização da política de saúde mental através das Comunidades Terapêuticas e Hospitais Psiquiátricos como componentes das redes de atenção psicossocial. As oficinas propuseram analisar o trabalho das equipes de saúde mental, entendendo decisões clínicas como efeitos das estruturas do Estado moderno-colonial e do pacto narcísico da branquitude.
Resultados
A pesquisa evidenciou o que trabalhadores de um CAPSad chamaram de “gênero profissional soldado-médico”: um modo de agir em saúde que reproduz violências coloniais e raciais, moduladas de diferentes modos para usuários brancos e negros. Nessa lógica, os profissionais atuam como “burocratas de nível de rua”, com poder de decisão final sobre a aplicação da política pública. Assim, a burocracia a nível de rua revela o paradoxo do Estado: intermediário necessário para o acesso em saúde mental, mas também um agente da reprodução de violências institucionais marcadas pela colonialidade e modernidade que constituem suas bases históricas, sociais e políticas.
Conclusões/Considerações
Para descolonizar o campo da Reforma Psiquiátrica é necessário abrir espaços cotidianos de análise dos processos de trabalho que reproduzam violências raciais, tomando como horizonte a branquitude diante das formações históricas e políticas que constituem as bases das instituições do Estado moderno. A Educação Permanente em Saúde para o letramento racial oferece ferramentas para enfrentar as violências coloniais nos serviços de saúde mental.
REVISÃO DE ESCOPO SOBRE TRANSTORNOS MENTAIS NA POPULAÇÃO NEGRA: EVIDÊNCIAS INTERNACIONAIS E MARCADORES DE RACISMO EM SAÚDE MENTAL
Comunicação Oral Curta
SILVA, R.S.1, SANTA ROSA, P. L. F.2, BRITO, G. S3, RODRIGUES, Y. S.4, SOUZA, E.S.5, MAIA, F. O. M.6, SILVA, B. P.7
1 Unifesp Baixada Santista
2 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (EERP-USP)
3 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
4 Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (IPqFMUSP)
5 Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas
6 Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo
7 Universidade Federal do Acre
Apresentação/Introdução
A população negra constitui parcela significativa da demografia global e apresenta vulnerabilidades específicas em saúde mental, fortemente atravessadas pelo racismo estrutural. Embora haja crescente atenção à interseção entre raça e saúde, persistem lacunas no mapeamento das evidências científicas sobre transtornos mentais nessa população.
Objetivos
Mapear e sintetizar evidências científicas internacionais sobre a ocorrência de transtornos mentais na população negra.
Metodologia
Trata-se de uma revisão de escopo conduzida conforme a metodologia do Instituto Joanna Briggs (JBI). A pergunta da revisão foi estruturada segundo o modelo PCC (População: pessoas negras; Conceito: transtornos mentais; Contexto: internacional). Foram incluídos estudos empíricos qualitativos, quantitativos e mistos, publicados até abril de 2024, sem recorte temporal, desde que abordassem a população negra e transtornos mentais. As buscas foram realizadas nas bases PubMed, Scopus, PsycINFO, Embase, Web of Science, Lilacs e SciELO. A triagem dos títulos e resumos, bem como a leitura dos textos completos, foi realizada de forma independente por dois revisores.
Resultados
Tratou-se de um trabalho coletivo de pesquisadores negros comprometidos com a produção de conhecimento antirracista no campo da saúde mental. Os encontros foram virtuais quinzenais, nos quais se realizaram discussões metodológicas, leituras teóricas e decisões colaborativas sobre critérios de inclusão e estratégias de extração. A construção coletiva permitiu tensionar limites epistemológicos tradicionais.
A diversidade das trajetórias dos autores — estudantes, profissionais da saúde, docentes e militantes — qualificou os debates e fortaleceu o compromisso com uma ciência engajada, plural e situada.
Conclusões/Considerações
A construção coletiva desta revisão de escopo reafirma o potencial da pesquisa colaborativa antirracista como ferramenta de enfrentamento das desigualdades em saúde mental. O processo revelou a urgência de incluir experiências negras na produção científica e de tensionar modelos diagnósticos hegemônicos, contribuindo para práticas mais justas e situadas.
TRATAMENTO MANICOMIAL: ANÁLISE DA EXPANSÃO DE COMUNIDADES “TERAPÊUTICAS” EM UM MUNICÍPIO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE
Comunicação Oral Curta
NASCIMENTO, Y. E. P.1, SILVA, J. M.2
1 SECRETARIA DE SAÚDE CAMARAGIBE/PAUDALHO-PE
2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Apresentação/Introdução
A Reforma Psiquiátrica Brasileira apresentou uma postura ética-política-social-clínica frente às condições psicopatologizantes e excludentes ao modelo manicomial. Permitiu o cuidado integral e a estruturação de dispositivos de cuidados psicossociais, incluindo os CAPs. As Comunidades Terapêuticas operam em lógica manicomial através da privação, da disciplina, da abstinência e religiosidade.
Objetivos
A pesquisa teve como objetivo compreender o tratamento de usuários em Comunidades Terapêuticas em um município da Região Metropolitana do Recife
Metodologia
O estudo foi realizado em websites das Comunidades Terapêuticas e de relatórios de vistorias realizadas pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (CREMEPE), sendo as informações de domínio público. As informações foram coletadas de outubro a novembro de 2024. Foram utilizadas as palavras combinadas: Comunidades Terapêuticas e Aldeia; Comunidades Terapêuticas e Camaragibe; Clínica Psiquiátrica e Camaragibe; Hospital Psiquiátrico e Camaragibe. Os dados foram categorizados em planilha excel: ano de abertura, modalidade, convênio, público de tratamento, funcionamento, tipo de internação, oferta de tratamento e relação das Comunidades com os dispositivos rede de saúde pública.
Resultados
Foram analisadas 14 CT´s com localização e concentração em uma área rural. A localização e distanciamento e a arborização e imersão com a natureza, foram tópicos para captação de interessados e venda do tratamento. A mais antiga CT deve abertura em 2009, com crescimento gradual durante os anos, com destaque para duas aberturas em 2018 e cinco em 2020. Todas são de origem particular vinculadas a diversos convênios de saúde privados. Funcionam em regime 24h, com internação voluntária/involuntária/compulsória de adultos e adolescentes. As CT´s estabelecem novos perfis para acolher demandas contemporâneas, incluindo tratamentos para Autismo, TDAH, e para compulsões sexuais, a jogos e internet
Conclusões/Considerações
Foi evidenciado a expansão das instituições de internamentos que se operacionalizam por meio de práticas reducionistas e segregadoras, que atualizam seus perfis de acolhimentos a partir de sintomas sociais contemporâneos, com a mínima intenção terapêutica, mas com a máxima implicação lucrativa. Torna-se importante garantir uma atitude psicossocial que fortaleça os dispositivos da RAPS, o protagonismo dos usuários e o cuidado em liberdade
SAÚDE MENTAL DE ADOLESCENTES E JOVENS NEGRAS E NEGROS: REFLEXÕES A PARTIR DA INSERÇÃO DE UMA PSICÓLOGA NEGRA NA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL CARIOCA
Comunicação Oral Curta
MUNIZ, N.P1
1 FIOCRUZ
Período de Realização
O período de realização desta experiência se deu entre janeiro de 2018 até janeiro de 2024.
Objeto da experiência
O objeto da experiência é a saúde mental de adolescentes e jovens negras (os), usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Rio de Janeiro.
Objetivos
Refletir criticamente sobre como a vivência de sujeitos racializados como negros pode incidir sobre a saúde mental destes a partir da experiência de encontros com adolescentes e jovens negros e negras ocorridos em espaços de cuidado em serviços diversos da RAPS carioca, como atenção básica e CAPSi.
Descrição da experiência
A experiência se deu a partir da inserção enquanto psicóloga clínica, na assistência, em diversos serviços da RAPS carioca, nos quais ocorreram encontros dentro do contexto do cuidado cotidiano com adolescentes e jovens negras e negros. Foram considerados encontros em variados contextos clínicos e institucionais, em espaços individuais e coletivos, dentro dos próprios serviços, nos diversos territórios e em espaços institucionais da rede ampliada, como escolas, fóruns de saúde, entre outros.
Resultados
As repercussões localizadas no racismo sobre as formas de sofrimento psíquico de adolescentes e jovens negras e negros puderam ser evidenciadas no que diz respeito aos impactos na construção da auto-imagem, nas relações interpessoais (em diferentes espaços como a escola, família e comunidade), na possibilidade da circulação pelo território e na elaboração dos afetos. Os modos de adoecer, morrer e até mesmo as formas possíveis de lidar com o luto são diretamente atravessados pelo racismo.
Aprendizado e análise crítica
Durante o processo do cuidado em saúde mental a raça aparece enquanto marcador social que atravessa o acesso à direitos e a bens materiais e simbólicos, como também a construção da subjetividade. A racialização enquanto sujeito negro pode trazer vivências que ressoam na coletividade e que são atravessadas tanto pelas singularidades como por outros marcadores interseccionais como identidade de gênero, classe e sexualidade, o que deve ser considerado na formação e assistência em saúde mental.
Conclusões e/ou Recomendações
A experiência vivenciada propiciou o alargamento das reflexões sobre o sofrimento psíquico na adolescência e juventude e o racismo antinegro e comporá parte de dissertação em curso, através da escrevivência. É urgente reconhecer o racismo como determinação social de saúde e pensar coletivamente em estratégias de enfrentamento às questões advindas da intersecção entre saúde mental e relações étnico-raciais no campo da adolescência e juventude.
SAÚDE MENTAL E SELETIVIDADE PENAL: ANÁLISE DAS ATAS DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA
Comunicação Oral Curta
Costa, J. S.1, Silva, M. B. B.1
1 UERJ
Apresentação/Introdução
Criados em 1921, os Manicômios Judiciários congregam o asilamento manicomial com o punitivismo penal, determinando as piores condições para aqueles que ali estão. Desde 2023, com a promulgação da Resolução 487 pelo Conselho Nacional de Justiça, a internação nessas instituições está vedada. Atualmente, como o Sistema de Justiça tem lidado com os casos de transtornos mentais em conflito com a lei?
Objetivos
Este trabalho investiga as determinações judiciais impostas nas audiências de custódia no estado do Rio de Janeiro às pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei, identificando os fatores de vulnerabilidade que compõem esses casos.
Metodologia
Para isso, analisa as atas das audiências de custódia realizadas em uma das Centrais de Audiência de Custódia do estado do Rio de Janeiro, utilizando-se da etnografia com documentos e da interseccionalidade como perspectivas teóricas. A etnografia com documentos aponta para uma análise indissociável entre forma e conteúdo, enquanto a interseccionalidade aponta para a compreensão da confluência das opressões como produto e não soma. As atas analisadas foram selecionadas a partir dos casos atendidos pela equipe do Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC), no ano de 2024, considerando os casos de flagrante e nos quais foi identificada “demanda grave em saúde mental”.
Resultados
Foram identificados 40 casos, mas só foi localizada a ata da audiência de custódia de 19 deles. Os casos eram majoritariamente de mulheres (16 mulheres cis, 1 mulher trans e 2 homens cis), sendo 7 mães. Tratavam-se de mulheres majoritariamente negras, com ensino fundamental completo e que ganhavam até 1 salário mínimo mensal. Onze estavam respondendo pela acusação de furto. Quanto à decisão judicial, 12 casos tiveram a liberdade provisória com medidas cautelares, enquanto 7 tiveram a manutenção da prisão. Nas decisões de manutenção da prisão, argumentou-se sobre a periculosidade das custodiadas e a necessidade da prisão para garantia da ordem pública.
Conclusões/Considerações
A partir da análise das atas, verificou-se que a situação de grave vulnerabilidade social vivenciada pelas pessoas com transtorno mental em conflito com a lei, muitas vezes, não é levada em consideração nas decisões judiciais. Ao contrário, os argumentos utilizados para a manutenção da prisão reforçam o estigma do “perigo da loucura” e apontam para uma contínua segregação social nas prisões ou (ainda) nos manicômios judiciários.
A “POLÍTICA DE ACOLHIMENTO HUMANIZADO” COMO ESTRATÉGIA DE COERÇÃO: ANÁLISE CRÍTICA DA LEI Nº 3.997/2025 DO MUNICÍPIO DE NITERÓI
Comunicação Oral Curta
Costa, P. B. M.1
1 IFES; IMS (UERJ)
Apresentação/Introdução
Aprovada em abril de 2025, a Lei nº 3.997/2025 de Niterói institui a chamada “Política Municipal de Acolhimento Humanizado e Assistência Integral”, propondo intervenções compulsórias voltadas a pessoas em situação de rua com sofrimento psíquico ou uso problemático de substâncias. A norma reacende tensões entre direitos humanos, medicalização e políticas públicas excludentes.
Objetivos
Analisar criticamente os efeitos políticos e normativos da Lei nº 3.997/2025 sobre a RAPS e discutir seus impactos sobre a política de saúde mental, com ênfase na atenção em liberdade e nas formas de destinação de recursos públicos ao setor privado.
Metodologia
Trata-se de estudo qualitativo e documental. Foram analisados: (1) o conteúdo da Lei nº 3.997/2025; (2) os discursos legislativos e institucionais que sustentaram sua aprovação; (3) os marcos legais da Reforma Psiquiátrica e da política de saúde mental no Brasil; e (4) dados sobre a oferta local de serviços da RAPS e o perfil da população em situação de rua. A análise foi guiada pela crítica das políticas públicas, articulando os conceitos de biopolítica, necropolítica e judicialização da pobreza, com foco nos riscos de privatização indireta da saúde mental e na destinação de verbas públicas a instituições asilares.
Resultados
A norma legitima práticas coercitivas sob a retórica da humanização, promovendo internações compulsórias mesmo diante da precariedade da RAPS local. Verificou-se a previsão de repasse de recursos públicos a instituições privadas com funcionamento asilar, sem fiscalização adequada, configurando uma rota de terceirização e desresponsabilização do poder público. A Lei desconsidera a necessidade de ampliação dos serviços públicos substitutivos e reforça uma lógica de confinamento, com viés moralizante e punitivo voltado às populações vulnerabilizadas do território.
Conclusões/Considerações
A Lei nº 3.997/2025 representa uma inflexão autoritária na política de saúde mental municipal, promovendo práticas manicomiais por meio da destinação de recursos a instituições privadas e da institucionalização de sujeitos em sofrimento. Defende-se sua revogação e a urgente retomada de investimentos públicos na RAPS, com base na intersetorialidade, no cuidado em liberdade e na participação popular como eixos estruturantes.
PERFIL DE UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS PSICOTRÓPICOS POR MULHERES EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DE UMA INSTITUIÇÃO APAQUEANA
Comunicação Oral Curta
Oliveira, L. A.1, Silva, A.J.O.2, Martins, D. S.1, Rodrigues, G. S.1, Castro, C. C. B.3, Silvestre, C. C.2, Ayres, L. R.4
1 Grupo de Estudos Interdisciplinar em Cuidado Farmacêutico, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Governador Valadares
2 Grupo de Estudos Interdisciplinar em Cuidado Farmacêutico, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Governador Valadares; Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Governador Valadares
3 Grupo de Estudos Interdisciplinar em Cuidado Farmacêutico, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Governador Valadares; Programa de Pós-graduação em Assistência Farmacêutica, Universidade Federal do Espírito Santo
4 Instituto de Biotecnologia, Universidade Federal de Catalão; Programa de Pós-graduação em Assistência Farmacêutica, Universidade Federal do Espírito Santo
Apresentação/Introdução
Os transtornos mentais conectam fatores biológicos, psicológicos e socioculturais importantes. São altamente prevalentes, principalmente em indivíduos advindos de um contexto de vulnerabilidade. Dentre estes, destacam-se as mulheres privadas de liberdade (MPL), que podem sofrer questões relacionadas a iniquidades em saúde, medicalização e/ou uso inadequado de medicamentos para tais condições.
Objetivos
Caracterizar o perfil farmacoterapêutico de medicamentos para condições psíquicas utilizados por MPL.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, realizado na Associação de Proteção a Assistência aos Condenados - Unidade Feminina, no município de Governador Valadares, Minas Gerais. Foram inseridos no estudo MPL de todos os regimes que estavam em uso de medicamentos. A coleta de dados ocorreu em março de 2025. Foram obtidas as variáveis: idade, tipo de regime e medicamento utilizado, que foi classificado no primeiro nível do código Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) e considerados pertencentes ao grupo anatômico N - sistema nervoso. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva. A pesquisa obteve aprovação do comitê em Pesquisa (CAAE 68849923.7.0000.5147).
Resultados
Participaram do estudo 48 mulheres, correspondendo a 70% da população institucionalizada no período da pesquisa (n=69). As idades variaram entre 21 e 67 anos (média de 41±11,5). A maioria pertencia ao regime fechado, cerca de 67,3% (n=33), as demais correspondiam aos regime semiaberto e extramuros, 20,4% (n=10) e 12,3% (n= 6), respectivamente. Foram identificados um total de 151 medicamentos diferentes, sendo que 64,2% (n=97) eram destinados ao sistema nervoso. Dentre esses, os cinco medicamentos mais utilizados foram: clonazepam 13,91% (n=21), amitriptilina 12,53% (n=19), fluoxetina 7,95%(n=12), carbamazepina 3,31% (n=5) e 2% nortriptilina (n=3).
Conclusões/Considerações
O estudo evidenciou o uso de diferentes medicamentos psicotrópicos por mulheres privadas de liberdade, alinhando-se à literatura. Ao mesmo tempo, os achados incitam questionamentos relacionados à avaliação das reais condições de saúde mental e do uso racional de medicamentos para essas condições. Espera-se que os achados incentivem a compreensão dos fatores envolvidos e fomentem intervenções e políticas públicas voltadas a essa população.