
Programa - Comunicação Oral - CO16.2 - Saúde da população trans e a produção de cuidado humanizado
01 DE DEZEMBRO | SEGUNDA-FEIRA
15:00 - 16:30
15:00 - 16:30
SAÚDE DE PESSOAS TRANS ENTRE A NORMA E O DIREITO: TENSÕES REGULATÓRIAS ENTRE O SUS E O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (2004–2025)
Comunicação Oral
1 USP
Apresentação/Introdução
Pessoas trans seguem submetidas a dispositivos institucionais que regulam seus corpos e itinerários terapêuticos. No campo da saúde, essas regulações oscilam entre a tutela biomédica e o reconhecimento formal de direitos, sem romper, contudo, com paradigmas normativos. Este estudo analisa a tensão entre o SUS e o CFM como expressões de racionalidades distintas de controle e cuidado.
Objetivos
Analisar as disputas normativas entre o Sistema Único de Saúde e o Conselho Federal de Medicina em torno da saúde de pessoas trans no Brasil, evidenciando os modelos de regulação implicados entre 2004 e 2025.
Metodologia
Estudo qualitativo de base documental, fundamentado na epidemiologia crítica e na análise histórica de políticas públicas. Foram examinados atos normativos do Ministério da Saúde (como a Política Nacional de Saúde Integral LGBT e a Portaria nº 2.803/2013) e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM nº 1.955/2010, nº 2.265/2019 e nº 2.427/2025). A análise comparativa focalizou os critérios etários, os modos de acesso aos serviços, os pressupostos clínicos e os regimes de verdade mobilizados por cada instância na construção da saúde trans como campo de intervenção estatal.
Resultados
Tanto o SUS quanto o CFM operam regulações sobre os corpos trans, sustentadas por racionalidades distintas. A Portaria nº 2.803/2013 define 18 anos como idade mínima para hormonização e 21 anos para cirurgias. A Resolução CFM nº 2.265/2019 reduziu esses parâmetros: 16 anos para hormonioterapia cruzada, 18 para cirurgias e permitiu bloqueio puberal a partir do estágio Tanner II. Já a Resolução CFM nº 2.427/2025 revoga esses avanços: veta o bloqueio hormonal, restringe hormonioterapia aos 18 anos e cirurgias apenas a partir dos 21, salvo exceções. A APS permanece invisibilizada nas diretrizes médicas e com baixa operacionalização no SUS.
Conclusões/Considerações
A saúde trans no Brasil é atravessada por múltiplas formas de regulação institucional que tensionam reconhecimento e controle. Se o SUS avança na produção de políticas públicas, também reinscreve critérios biomédicos de acesso. A Resolução CFM nº 2.427/2025 explicita a disputa pelo governo dos corpos trans. Radicalizar a autonomia e a escuta é romper com o paradigma da tutela, dentro e fora do Estado.
IMPACTOS BIOPSICOSSOCIAIS DOS CUIDADOS EM SAÚDE DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR
Comunicação Oral
1 UFG
Apresentação/Introdução
Estudo com 74 participantes em Goiânia-GO aponta barreiras de acesso, discriminação, adoecimento mental e hormonização sem suporte. Destaca-se a necessidade de qualificar a linha de cuidados do Processo Transexualizador no SUS. Apesar dos desafios, quem acessa o serviço relata que a assistência impacta positivamente na qualidade de vida
Objetivos
Investigar o serviço transexualizador em Goiânia-GO e seus impactos na qualidade de vida; identificar perfil dos usuários, seu percurso de acesso e percepções sobre a assistência recebida.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa e descritiva. Por meio de um questionário on-line desenvolveu-se uma investigação relacionada à descrição e explicação da assistência ofertada em um serviço especializado no Processo Transexualizador na cidade de Goiânia-GO. Buscou-se a caracterização do perfil sociodemográficos das pessoas assistidas pelo mesmo, bem como o percurso de acesso ao serviço especializado, as perspectivas expressas na política e a percepção quanto ao impacto da assistência no seu contexto de vida das pessoas por ela assistida.
Resultados
O estudo analisou a percepção das(os) usuárias(os) sobre a assistência recebida no Processo Transexualizador Ambulatorial e Gradual (PAG). Os serviços de psicologia, ginecologia, urologia e cirurgia plástica tiveram mais de 80% de satisfação, enquanto a fonoaudiologia teve 38,7% de não respostas por falta de atendimento. Sobre a orientação recebida, 85,5% se sentiram plenamente informados, e 79% relataram apoio familiar. Quanto aos impactos na qualidade de vida, 85,5% perceberam efeitos positivos, especialmente nos aspectos emocional (94,8%), afetivo (79%), familiar (75,8%), profissional (71%), sexual (69,4%) e social (85,5%), destacando a relevância da assistência na melhoria do bem-estar.
Conclusões/Considerações
O estudo alcançou seus objetivos ao aferir a percepção de pessoas trans sobre o acesso e a assistência no Processo Transexualizador, apontando avanços e lacunas. Pessoas com menor escolaridade e acesso à informação sofrem mais com barreiras estruturais. Evidenciou-se a fragmentação da RAS e a ausência da RAPS, indicando a urgência de integração, formação e revisão de normativas sobre direitos sexuais e reprodutivos.
ENTRE AVANÇOS E DESAFIOS: O ACESSO AO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR SOB A ÓTICA DE USUÁRIOS(AS) E PROFISSIONAIS DE UM SERVIÇO DE REFERÊNCIA DO SUS.
Comunicação Oral
1 IAM/ FIOCRUZ
Apresentação/Introdução
A identidade de gênero é um tema que frequentemente desperta questionamentos e promove reflexões importantes sobre normas sociais e preconceitos. Discuti-la é essencial para desafiar o modelo binário que vincula gênero ao sexo biológico, invisibilizando identidades diversas, fomentando discriminação e dificultando o acesso a direitos fundamentais, como cuidados de saúde adequados.
Objetivos
Analisar a percepção de usuários(as) e profissionais quanto ao acesso e adequação do processo transexualizador no Sistema Único de Saúde.
Metodologia
Estudo de caso realizado no Espaço Trans do HC-UFPE. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, utilizados critérios de inclusão e técnica de saturação, sendo composta amostra de cinco pessoas trans e cinco profissionais. O roteiro de entrevista, baseado em Levesque et al, abordou o acesso dentro da dimensão adequação, que engloba perspectivas da utilização do serviço e seus desfechos para o cuidado em saúde. Foi utilizada a técnica de condensação de significados e as percepções e discursos foram analisados a partir das categorias: necessidade da população, organização do serviço, qualificação profissional e coordenação do cuidado. Estudo aprovado pelo CEP HC/UFPE (parecer nº 6.628.271).
Resultados
Foram relatados avanços no acesso ao processo transexualizador, sendo reconhecida a importãncia da existência do serviço. Contudo, foram apontados desafios como demora no atendimento, carência e ausência de qualificação profissional e fragilidades na qualidade da atenção. Ressalta-se a necessidade de qualificação contínua e ampliação das equipes e serviços, para garantia de atendimento integral e humanizado. A percepção de cuidado adequado foi associada ao acolhimento e a escuta sensíveis e qualificados, respeito à diversidade de identidades de gênero e continuidade no acompanhamento, elementos essenciais para assegurar o direito à saúde e a dignidade das pessoas trans e travestis.
Conclusões/Considerações
Apesar dos achados apontarem a importância da oferta do serviço especializado no processo transexualizador, ainda são necessárias melhorias no acesso, superando limitações estruturais e operacionais. É fundamental a qualificação dos serviços, voltada para o atendimento às especificidades da população trans, para que possam promover um cuidado integral que atenda às suas necessidades.
PREVALÊNCIA DE INATIVIDADE FÍSICA E FATORES ASSOCIADOS ENTRE PESSOAS TRANS DA BAIXADA SANTISTA
Comunicação Oral
1 Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
2 Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
3 Universidade de Sorocaba
4 Universidade Federal de São Paulo
Apresentação/Introdução
A atividade física é essencial para a promoção da saúde integral e bem-estar. Entretanto, pessoas trans e não binárias, frequentemente expostas a contextos de exclusão social e barreiras no acesso à saúde, permanecem invisibilizadas em estudos sobre hábitos saudáveis. A inatividade física, nesse contexto, pode refletir desigualdades estruturais que impactam diretamente sua qualidade de vida.
Objetivos
Investigar a prevalência de inatividade física no lazer e os fatores associados entre pessoas trans, travestis e não binárias residentes na Baixada Santista, Estado de São Paulo, no ano de 2023.
Metodologia
Utilizou-se dados do estudo transversal ‘Mapeamento da População Trans do Estado de São Paulo’. Participaram 237 pessoas, autodeclaradas trans, travestis ou não binárias, com 18 anos ou mais, que residiam, estudavam ou trabalhavam na Baixada Santista. Foram realizadas entrevistas, após cadastro eletrônico. Para avaliação da “inatividade física” considerou-se duração e frequência relatadas de atividade física no lazer (<150 minutos/semana). Realizou-se análise de regressão logística e cálculo de prevalências, intervalos de confiança (IC95%) e razões de chances (OR), ajustadas por idade e escolaridade. O projeto foi aprovado pelos CEP da UNIFESP e CRT-DST/Aids (CAAE nº 64010722.8.0000.5375).
Resultados
Entre as 237 pessoas participantes, a maioria (63,8%) tinha entre 18 e 29 anos, 43,1% se identificaram como mulheres trans/travestis, 51,1% se autodeclararam como brancas (n=119); 41,7% tinham ensino superior completo ou mais (n=98); e 70,9% relataram renda entre 1 e 3 salários-mínimos (n=112). A inatividade física foi de 40,9% (IC 95% 34,70-47,30), sendo mais prevalente entre pessoas com escolaridade baixa (OR=2,36; IC95%: 1,21–4,59), sem uso recente de serviços de saúde mental (OR=1,73; p=0,010) e com baixa qualidade de vida (OR=2,21; IC95%: 1,17–4,19). Observou-se menor prevalência de inatividade naquelas com maior escolaridade (p=0,049).
Conclusões/Considerações
A elevada prevalência de inatividade física em uma população jovem evidencia a urgência de políticas públicas intersetoriais, culturalmente sensíveis, que considerem barreiras enfrentadas por pessoas trans e não binárias. Os achados ressaltam a relação entre inatividade e marcadores sociais da desigualdade, como escolaridade, saúde mental e percepção de qualidade de vida, remetendo à necessidade de aprimoramento das políticas públicas vigentes.
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MULHERES TRANS MIGRANTES: PERFIL DAS ORGANIZAÇÕES ATUANTES EM BOA VISTA (RR) E MANAUS (AM)
Comunicação Oral
1 UFMA
Apresentação/Introdução
Desde 2015, migrantes venezuelanos chegam ao Brasil em Boa Vista (RR) e Manaus (AM). Mulheres trans venezuelanas enfrentam desafios específicos nesse processo, marcados por vulnerabilidades como transfobia, xenofobia e barreiras no acesso à moradia, saúde, emprego e documentação. Embora instituições atuem na assistência aos migrantes, muitas não consideram especificidades de gênero e identidade.
Objetivos
Caracterizar o perfil institucional das organizações que atuam no atendimento a migrantes venezuelanas em Boa Vista (RR) e Manaus (AM), e analisar como essas instituições acolhem as mulheres trans.
Metodologia
Trata-se de um recorte qualitativo da pesquisa internacional “ReGHID”. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 16 gestores atuantes em organizações públicas, religiosas, comunitárias e intergovernamentais, em Boa Vista (RR) e Manaus (AM), selecionados por amostragem intencional. A análise temática permitiu a construção de três categorias: (1) Diversidade institucional e áreas de atuação, (2) Reconhecimento da identidade de gênero nas práticas institucionais, e (3) Desafios para a integração e continuidade da atenção. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE nº 3561 7020.9.1001.5087).
Resultados
A análise revelou uma rede heterogênea formada por agências governamentais, ONGs, entidades religiosas e comunitárias, além de serviços públicos de saúde. Algumas atuam com foco em migração e HIV/AIDS; outras, em questões sociais, e poucas atendem demandas específicas LGBTQIAPN+. Todas reconhecem mulheres trans migrantes como público atendido, mas sem ações estruturadas de acolhimento e proteção. Apesar de iniciativas em saúde, documentação e abrigo, faltam articulação e continuidade do cuidado, com críticas dos gestores LGBTQIAPN+ sobre despreparo e violência nos demais serviços, limitando sua capacidade para garantir assistência efetiva a essa população.
Conclusões/Considerações
O acolhimento institucional de mulheres trans migrantes é inadequado, negligente e insuficiente. A rede, embora ampla, é fragmentada e despreparada para enfrentar suas vulnerabilidades. Todas as instituições as atendem, mas com baixa qualificação, comprometendo o trabalho de serviços com foco em gênero. Falta continuidade e integração nas ações. É urgente refletir sobre a exclusão em redes que se dizem acolhedoras.
VOZES TRANS: A PERCEPÇÃO DO ACOLHIMENTO NO SUS E OS DESAFIOS PARA A HUMANIZAÇÃO NO ATENDIMENTO À POPULAÇÃO TRANS.
Comunicação Oral
1 USP
Apresentação/Introdução
Pessoas trans enfrentam barreiras estruturais no SUS, associadas à cisnormatividade, discriminação institucional e ausência de formação profissional adequada. A despeito dos avanços normativos, persistem desafios na efetivação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT+, impactando diretamente o acesso, o acolhimento e a integralidade do cuidado.
Objetivos
Analisar como pessoas trans percebem o acolhimento no SUS, identificando barreiras, desafios e práticas que comprometem ou promovem a humanização no cuidado, além de propor estratégias para qualificar a atenção integral, equitativa e livre de discriminações.
Metodologia
Estudo qualitativo, exploratório, desenvolvido por meio de entrevistas semiestruturadas com 16 pessoas trans maiores de 18 anos, residentes em diferentes estados do Brasil, selecionadas pela técnica de amostragem em bola de neve (snowball). A coleta foi realizada de forma remota, no período de 2023 a 2024. As entrevistas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo, segundo Bardin, permitindo a categorização das narrativas em três eixos temáticos: (1) uso do nome social e reconhecimento da identidade; (2) experiências no acolhimento nas unidades do SUS; (3) capacitação e preparo dos profissionais de saúde. O estudo foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa da USP.
Resultados
Os resultados revelam que, embora haja avanços normativos como a garantia do nome social, a prática nos serviços ainda é marcada por violências simbólicas, constrangimentos e despreparo dos profissionais. O desrespeito à identidade de gênero, à linguagem inclusiva e à escuta qualificada compromete o acesso e a continuidade do cuidado. Pessoas trans relatam que a passabilidade influencia na qualidade do acolhimento, expondo um modelo de cuidado ainda pautado em normas cisheteronormativas. Observa-se demanda urgente por formação permanente, protocolos inclusivos e fortalecimento de uma cultura institucional antidiscriminatória.
Conclusões/Considerações
O SUS, apesar dos avanços legais, ainda reproduz práticas excludentes frente às especificidades da população trans. A efetivação da humanização requer políticas interseccionais, investimento em formação anticapacitista e antitransfóbica, bem como fortalecimento de estratégias educativas e comunitárias. Contribuímos com um produto educacional — podcast formativo — visando apoiar a qualificação do cuidado no SUS.

Realização: