Termo de Referência
13º. CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA
Saúde é democracia: diversidade, equidade e justiça social.
“Para gerar uma confiança ativa, o conhecimento perito precisa ser validado democraticamente. Na verdade, as declarações científicas são tratadas pela opinião pública como verdades proposicionais contestáveis, e é por esse motivo que os sistemas peritos precisam se tornar dialógicos (...). O que está em jogo é a criação de uma confiança ativa que gere solidariedade social entre indivíduos e grupos”
Chantal Mouffe
(Sobre o político, pp 43, 2015)
Termo de Referência
Nossa escolha da frase “Saúde é democracia” foi uma proposital referência ao discurso do professor Sergio Arouca na abertura da 8ª Conferência Nacional de Saúde e ao movimento da Reforma Sanitária. Há momentos na história de um povo, em que olhar para o passado se torna fundamental para iluminar o futuro. Após os retrocessos democráticos vividos pelo Brasil desde 2016, e ainda na vigência da pior pandemia experimentada no absoluto abandono do poder executivo federal, as reflexões históricas da 8ª Conferência se reatualizam.
A inspiração daquele momento histórico nos lembra que apareciam já ali questões relevantes para a saúde coletiva: a determinação social do processo de saúde doença, a necessidade de criação de um sistema de saúde que permitisse tornar realidade que saúde é um direito de todos os cidadãos a ser garantido pelo Estado, e a advertência de que as principais mazelas a serem enfrentadas eram, na ocasião, a desigualdade, a violência, a inequidade e a premência de reconhecer a diversidade da sociedade brasileira.
Estarrecidos - e um pouco perplexos - constatamos hoje a gritante atualidade dessas questões. Para agravá-las, vivenciamos, desde 2018, um governo que promove o caos propositalmente, sucateia, nega e distorce a ciência e persegue seus agentes de variadas formas. Aproveitando-se de um contexto de emergência de novas tecnologias de informação e de comunicação, promove a desinformação e ameaça a garantia de direitos, a ciência e a própria vida, o que levou diferentes autores a chamá-lo de necropolítico, ultra neoliberal, capacitista, antifeminista, racista e idadista.
Diante do crescimento do conservadorismo de extrema direita e da agressividade dos ataques do atual governo às mulheres, população LGBTQI+, povos indígenas e população negra, escolheu-se por destacar na temática do Congresso a importância da reafirmação da defesa da diversidade, equidade e justiça social. A Saúde Coletiva brasileira, ao convocar seus membros para seu maior congresso, a ser realizado no mês de novembro de 2022, deseja contribuir como campo científico, ético e político para a formulação das soluções que o Brasil precisará para se reerguer soberano novamente.
O ineditismo do momento nos fez também analisar a necessidade de inovação no Campo da Saúde Coletiva permitindo o destaque de novas questões emergentes e relevantes e, ao mesmo tempo, reafirmar nossa identidade como campo diversificado, heterogêneo, integrado e multidisciplinar. Ser inclusivo é dispor-se ao novo, ao inusitado, à transformação. Por isso, não desejamos reproduzir na montagem de nosso Congresso a importante e ampla especialização de nosso campo. Consideramos que essa perspectiva da Saúde Coletiva é fartamente representada nos Congressos das áreas. Desejamos nos reinventar, nos recriar, nos multiplicar como campo fértil de novas questões e propositor de soluções e alternativas.
É premente o enfrentamento às desigualdades sociais e regionais, à pobreza, ao racismo, ao capacitismo, ao machismo, ao etarismo, à xenofobia, à LGBTfobia; demarcadas por processos estruturantes da sociedade e do Estado inscritos em outras formas de dominação impostas pelo patriarcado e colonialismo que se interconectam com o capitalismo. É urgente a defesa do direito à comunicação e à informação como essenciais para a garantia dos direitos sociais e da saúde, combatendo a desinformação e seus efeitos colaterais, como a infodemia, a proliferação de informações falsas e os ataques ao conhecimento científico.
A violação dos direitos humanos nos leva a repensar as bases das políticas públicas e seu papel na transformação desse quadro de exclusão que marginaliza milhões de pessoas. Políticas democráticas e inclusivas que levem em conta as formas de opressão e exclusão de diversos grupos sociais, e que também reconheçam as contribuições e o protagonismo que estes grupos marginalizados trazem para a produção de conhecimento, para as políticas públicas e o enfrentamento dos desafios da sociedade brasileira.
A ABRASCO irá implementar uma política de ação afirmativa dentro do 13º Congresso e afirmar seu compromisso com o enfrentamento ao racismo, ao sexismo, ao capacitismo e todas as outras formas de discriminação, além de estar atenta a garantia da acessibilidade no evento, inclusive no que se refere ao direito do uso do nome social e respeito incondicional à auto identificação de gênero.
Partindo da ideia dos direitos sociais e da construção de valores sólidos de cidadania participativa, queremos produzir um grande Congresso que nos permita maior capacidade de discernimento, de crítica e de formulação de proposições para o desenvolvimento social e humano no Brasil. Buscamos ainda que isso se dê em um Brasil conectado com as grandes problemáticas mundiais, e também com as soluções globais e regionais, em diálogo com os movimentos sociais que estão atuando nesses enfrentamentos.
Partindo desse posicionamento, apresentamos um conjunto de eixos temáticos que procura evitar a hiper fragmentação e articula as palavras-chave de nosso 13º Congresso de maneira transversal de forma a torná-las presentes em todos os eixos temáticos.
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Glossário: definimos a seguir alguns conceitos para guiar a classificação das atividades do Congresso e dos trabalhos
Diversidade:
Significa a qualidade daquilo que é diverso, diferença, dessemelhança, variação, variedade, multiplicidade. Aceitar a diversidade cultural não é apenas conseguir conviver com gêneros, incapacidades, cores, ou orientações sexuais diferentes, mas respeitar ideias, culturas e contextos de vida distintos. Diversidade não diz respeito somente ao reconhecimento do outro, mas significa pensar a relação entre o eu e o outro. Semelhanças e diferenças são continuamente lembradas nas relações, e são marcas presentes nas definições dos valores sociais. Diferenças têm sido permanentemente produzidas e preservadas por meio das relações de poder, reproduzindo e aprofundando hierarquias e assimetrias históricas. O colonialismo carrega a negação da diversidade. Diante do pluralismo político-ideológico e do multiculturalismo da sociedade atual, propõe-se no 13º Abrascão uma virada epistemológica que questiona o universalismo ou humanismo abstrato, para reconhecer as diferenças que produzem desigualdades, injustiça social e ambiental (que perduram no Brasil e se desnudaram e agudizaram na pandemia), e agir promovendo o respeito à diversidade e exercitando o diálogo intercultural.
Inclusão:
Incluir é ação, é buscar reverter injustiças sociais que marginalizam determinados grupos. Importante neste campo é destacar a noção de interseccionalidade, pois são muitos os mecanismos de exclusão de grupos e indivíduos, como o racismo, etarismo, machismo, LGBTfobia, capacitismo entre outros. Esses mecanismos simbólicos perpetuados na atual estrutura social que silenciam o diverso e não reconhecem as diferenças incidem na determinação social da saúde, gerando iniquidades. Destacamos também as matrizes colonial, patriarcal e capitalista que determinam relações de poder nas estruturas existentes e geram exclusão social.
Defender a inclusão implica refletir e agir sobre a acessibilidade para as pessoas com deficiência, tanto no acesso as políticas de saúde quanto aos espaços acadêmicos, garantindo-lhes o direito à voz e à escuta. São necessários movimentos simultâneos de diferenciação e de identificação. Assim, em meio à diversidade, compartilhar experiências e acontecimentos pode tornar as diferentes lutas mutuamente inteligíveis, abrindo possibilidades de compreensão de um mesmo assunto, agindo sobre as opressões que geram resistência e aglutinando as aspirações que mobilizam, fortalecendo reciprocamente pessoas, grupos e instituições envolvidas gerando novas possibilidades de respostas e enfrentamentos.
Equidade:
O conceito de equidade pressupõe o reconhecimento da desigualdade. Reconhecer que não somos todos iguais, porque existem desigualdades que prejudicam alguns grupos sociais e indivíduos. A noção de equidade está relacionada, portanto, a dar às pessoas, realmente, acesso às mesmas oportunidades. Isso significa dar mais para quem precisa mais, de forma proporcional e adequada às suas circunstâncias. A equidade trata as pessoas de formas diferentes, levando em consideração o que elas precisam. Há necessidade de se trabalhar a equidade de modo a promover estratégias de enfrentamento das desigualdades e das iniquidades que promovem apartações, e que, além de evitáveis, são também injustas. Por exemplo, enfrentar o racismo e o machismo estrutural (que se dá na convergência de instituições, cultura, história, ideologia e práticas codificadas) passa pelo seu reconhecimento, mas também pela busca de estratégias de enfrentamento das condições e situações que o geram e perpetuam. A equidade também nos permite rever as diferenças econômicas ou culturais que foram transformadas em desigualdades de valor pela cultura historicamente hegemônica, por meio de mecanismos ideológicos que ao longo do tempo podem ter ocultado para as pessoas suas necessidades e direitos iguais na sociedade
Justiça social:
Justiça social é um imperativo moral e político que busca fornecer o que cada cidadão tem por direito: assegurar as liberdades políticas e os direitos básicos, oferecer transparência na esfera pública e privada e oportunidades sociais. Quando nos referimos à justiça social, precisamos lembrar que é um conceito relativamente novo e que tem sido objeto de estudos ao longo do século XX, por parte de filósofos e cientistas sociais. É importante ter em mente, também, que a justiça social trata do reconhecimento ético-político de que existem desigualdades econômicas, sociais e regionais e que é preciso lidar com elas na hora de definir o que é justo. Também se reconhece que existem injustiças provocadas por dimensões simbólicas de desvalorização, preconceito e discriminação de determinados grupos sociais, como o racismo. A justiça social busca garantir que todas as pessoas sejam vistas e valorizadas de maneira igual e tenham acesso às mesmas possibilidades de escolha, o que é chamado de reconhecimento e redistribuição. Destacamos que essa perspectiva de justiça social é o arcabouço teórico para a implementação das políticas de ações afirmativas como estratégia para reparação histórica e diminuição das desigualdades no acesso à educação e na produção do conhecimento.
Eixos Temáticos
Eixo 1: Relações saúde, ambiente e sociedade
O atual modelo de desenvolvimento de capitalismo globalizado, neoliberal e neoextrativista tem gerado profunda crise socioambiental e sanitária, de repercussões sem precedentes sobre a vida no planeta, em especial sobre as populações mais vulnerabilizadas do Sul Global. As importantes desigualdades entre povos e países levam ao aprofundamento de iniquidades e injustiças sociais, sanitárias e ambientais. O neoextrativismo se articula aos chamados “pacotes da destruição e do veneno”, ameaça a sustentabilidade e direitos dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas. Soma-se a isso a atuação de grandes corporações que atuam na produção e comércio de alimentos ultraprocessados, cigarros, bebidas alcoólicas, medicamentos, entre outros, que atuam nos meios de comunicação, e cujas ações políticas corporativas visam o enfraquecimento de políticas públicas e a expansão do lucro. A identificação de grupos populacionais vulnerabilizados submetidos a diferentes situações de risco é uma tarefa imprescindível para a elaboração de programas preventivos e para a transição em direção a sociedades mais justas, sustentáveis e saudáveis. Os efeitos das mudanças ambientais e os impactos desses processos na saúde humana comportam diversos níveis de análises e abordagens multidisciplinares, transdisciplinares e interculturais. São necessários o diálogo e o respeito pelos saberes populares e tradicionais. As graves ameaças democráticas e socioambientais em nosso país exigem políticas cientificamente informadas, dialógicas e includentes. Ações intersetoriais envolvendo as áreas de meio ambiente, de agricultura e abastecimento, da educação, do desenvolvimento urbano, da saúde, entre outras, além do permanente diálogo com os movimentos sociais e representantes das populações mais vulnerabilizadas são urgentes. Nesse eixo se incluem os estudos populacionais com comunidades tradicionais indígenas e quilombolas e os estudos epidemiológicos em saúde ambiental.
Eixo 2: Desafios e caminhos para (re)construção do Brasil e o papel das políticas sociais
As políticas neoliberais vigentes no Brasil vêm se intensificando a partir do golpe de 2016 com a diminuição do papel do Estado, a imposição do teto de gastos, a diminuição de direitos trabalhistas e a extinção de diversas políticas públicas, incluindo aquelas direcionadas a grupos sociais minoritários. Este quadro, agravado pela pandemia de Covid-19, traz consequências gravíssimas para a maioria da população. A atuação do governo federal impede o desenvolvimento do país e insere milhões de brasileiros e brasileiras na pobreza. Após as eleições de 2022, precisaremos de muito investimento material e humano e, sobretudo, de muita união e solidariedade para iniciar a construção de uma nova realidade nacional na qual a saúde terá um papel fundamental. Neste eixo se enquadram trabalhos originais e experiências para reflexão e debate que tenham como perspectiva a retomada dos direitos sociais e o fortalecimento do SUS. Serão incluídos estudos englobando: desafios e barreiras na criação, implementação de políticas públicas no Brasil; impacto de políticas de austeridade na educação e na saúde; estratégias organizacionais e arranjos locais de trabalho para garantia dos princípios constitucionais do SUS; avaliações de novas ações estratégicas em saúde; estudos sobre vigilância em saúde e sistemas de informação em saúde, políticas para a garantia do direito à saúde das populações vulnerabilizadas; participação do controle social no SUS; desafios para a regulação do crescente setor privado de saúde e o papel de movimentos e associações da sociedade civil frente aos desafios e desmontes das políticas públicas sociais no Brasil.
Eixo 3: Sistema Único de Saúde: desafios persistentes e perspectivas
A construção de um sistema de saúde universal, integral e gratuito - que contribua para a consecução da equidade e do direito à saúde em um país desigual como o Brasil - é uma tarefa de grande monta. Nas últimas décadas, a implementação do SUS garantiu inúmeras conquistas, mas enfrentou e enfrenta enormes desafios. O arcabouço político-institucional, a ampla gama de instituições e profissionais de saúde envolvidos, os processos de descentralização, a ampliação da oferta e do acesso em todos os níveis do sistema, a implementação e amplitude da Estratégia de Saúde da Família, a organização em redes de atenção, entre muitos outros, são êxitos do SUS. Entre os desafios persistentes, destaca-se a ausência de condições objetivas para a sustentabilidade do sistema em termos estruturais, políticos e financeiros. O desfinanciamento se agravou após a EC 95, enquanto o setor privado recebe constantes subsídios. A política de saúde do atual governo federal intensificou as propostas de privatização, mesmo em áreas antes consideradas como espaços não mercantis, como a Atenção Primária à Saúde. Os temas transversais da democracia, diversidade, inclusão e equidade serão abordados neste eixo por trabalhos que versem sobre: organização e gestão dos serviços de saúde e redes de atenção; acesso a bens e serviços; relações público-privado; avaliação de bens e serviços de saúde; regionalização e construção das regiões de saúde; relações federativas; atenção primária à saúde; regulação e proteção da saúde; financiamento; análise de políticas, estudos epidemiológicos nos três níveis de atenção à saúde, epidemiologia e controle de doenças de condição infecciosa e aquelas de condições crônicas não transmissíveis,estudos epidemiológicos de custo-efetividade de incorporação de estratégias ao SUS, entre outros.
Eixo 4: Cidadania: fragilidades e potências da participação social e política
Saúde é um direito de todos, e dever do Estado: inscrição democrática, expressão de uma realidade? A cidadania, enquanto conceito relacional, exige o reconhecimento mútuo e a simetria de acesso a direitos em diversos campos da existência humana. O espaço da cidadania trata de consensos, dissensos e contradições; maneja respeito às diferenças e à diversidade, é plural, dinâmico e assume constante aperfeiçoamento ético. Requer participação social, fazendo que os sujeitos se identifiquem como iguais e livres. Esse fato é um desafio vultoso em tempos de estabilidade democrática e ele se torna mais complexo em contextos de crise política-institucional-econômica e sanitária, como no Brasil atual. Esse eixo contempla os trabalhos e experiências que abordam reformas (neo)liberais/conservadoras e seus impactos nos direitos à saúde; pluralidade de interesses e desafios para garantia de bases de apoio ao SUS; desafios e potência dos movimentos sociais na defesa do direito à saúde; dispositivos institucionais de participação e controle social no SUS; discussão sobre espaço público, ação política e ativismo em rede/democracia digital; atuação do poder legislativo e judiciário em relação ao direito à saúde; dificuldades e avanços para a garantia do direito à saúde das populações vulnerabilizadas; mecanismos de participação na formulação, implementação e avaliação de políticas, programas e ações; Educação Popular em Saúde e sua importância para o compartilhamento de saberes
Há mais de dois anos o mundo convive com a pandemia de Covid-19, que vem acentuando as desigualdades regionais, sociais, econômicas, de gênero e étnico-raciais. As consequências da gestão desastrosa do governo federal brasileiro, sem políticas para unificar o país no enfrentamento da pandemia, foram agravadas pelo discurso negacionista e pelo moroso e conturbado processo de aquisição de vacinas. Este eixo contempla os trabalhos que abordam a evolução da pandemia de Covid-19, seus impactos sociais, econômicos, culturais e sobre o sistema de saúde; as estratégias de identificação e controle da doença e sua efetividade; as respostas do SUS e seus subsistemas; os efeitos das iniquidades sociais, raciais, étnicas e de gênero na ocorrência da Covid-19, em suas complicações e no acesso a bens e serviços de saúde. Inclui ainda efeitos indiretos sobre a saúde, tais como o aumento da insegurança alimentar, da violência doméstica e familiar, na saúde mental, na diminuição da busca e do acesso a bens e serviços de saúde, a exemplo dos serviços de saúde sexual e reprodutiva e da atenção continuada a doenças crônicas transmissíveis e não transmissíveis. A necessidade de mudanças estruturais para alcançar a saúde, o bem viver e a justiça social confere centralidade ao debate sobre os legados da pandemia e às propostas para enfrentar os problemas de saúde e as desigualdades sociais, bem como transformar as condições sociais, ambientais, econômicas, que propiciaram sua emergência, e prevenir pandemias e epidemias futuras. Inclui, igualmente, experiências de preparação e resposta às emergências em Saúde Pública, que possam auxiliar em futuras emergências, sobre vigilância em saúde, vigilância sanitária, sistemas de informação e relações intersetoriais.
Eixo 6: Saúde em um mundo globalizado, o diálogo Sul - Sul e a Agenda 2030
A crise sanitária desencadeada pela Covid-19 aprofundou as crises política, social, econômica, ambiental e ética preexistentes e mostrou a incompetência política e técnica da governança global e das lideranças mundiais. O Comitê Independente de Supervisão e Assessoramento para o Programa de Emergências de Saúde da OMS apontou falhas no combate à pandemia de Covid-19: insuficiência das ações de vigilância, inexistência de rede global de vigilância genômica, inadequação da comunicação de risco, deficiências dos sistemas nacionais de saúde, incapacidade de prover equipamentos e insumos, destacando-se o acesso equitativo às vacinas pressão pela desregulamentação e restrição dos direitos sociais. A crise encontrou a Saúde Pública Global enfraquecida devido à falta de investimento, associado às medidas neoliberais em numerosos Estados. Entretanto, também evidenciou a sua importância para responder pronta e adequadamente, e foi uma oportunidade para mostrar a relevância do conhecimento científico acumulado, do papel do Estado provedor e regulador, especialmente do Sistema Único de Saúde, e para obter seu reconhecimento pela população. Espera-se que esse reconhecimento possa ser convertido em mais investimentos. Na perspectiva da Saúde Coletiva, contudo, a superação da crise exige o enfrentamento de suas causas estruturais, relativas a um modo de produção concentrador de riqueza, submisso às grandes corporações nacionais e transnacionais, e predador do meio ambiente. Esse desafio requer a articulação de iniciativas políticas nos âmbitos nacional e internacional. Neste eixo espera-se contemplar estudos que discutam as grandes questões históricas, atuais e futuras a serem enfrentadas pela Saúde Coletiva, em suas nuances globais, regionais e locais, que elaborem análises críticas, e que apontem caminhos para o futuro de curto, médio e longo prazos. Incluem também, os estudos epidemiológicos com interface nos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da agenda 2030, estudos epidemiológicos de ciclo de vida, comparações entre sistemas de saúde em diferentes países do Sul-Sul, dentre outros.
Eixo 7: Saúde Coletiva e as transformações no mundo do trabalho
As transformações no mundo do trabalho nas últimas décadas, expressas pela precarização, a uberização, a destituição de direitos trabalhistas, o aumento do desemprego e do subemprego, a intensificação da jornada de trabalho e os baixos salários, entre outros fenômenos, afetam a saúde da classe trabalhadora e trazem novos e intensos desafios para os gestores da saúde. Neste eixo estarão contemplados os resumos referentes às relações/interações entre os diversos segmentos da Saúde Coletiva e o mundo do trabalho na atualidade, a saber: políticas públicas, democracia e relações de trabalho; Relação público privada na configuração do mercado de trabalho em saúde; Direitos Humanos e diversidade no mundo do trabalho: enfrentamento das discriminações relativas à sexualidade, gênero, raça, classe e deficiência. Impactos dos modelos de desenvolvimento, das tecnologias e das novas morfologias do trabalho sobre o processo saúde-doença-cuidado e o ambiente; O mundo do trabalho na pandemia e pós pandemia Covid-19; 10 anos da PNSTT: perspectivas e limites do SUS na integralidade do cuidado à saúde dos/as trabalhadores/as; Formação, estudos e pesquisas em saúde do trabalhador; Movimentos sociais, vigilância popular e participativa e a saúde dos/as trabalhadores/as; Violências no mundo do trabalho; e Relação público privada na configuração do mercado de trabalho em saúde.
Eixo 8: Saúde Coletiva, diversidade cultural e epistemologias
O campo da Saúde Coletiva abrange uma diversidade epistemológica, ontológica, teórica, metodológica e temática que sustenta e orienta seus saberes e práticas; mostrando a pujança, a potência, mas também o desafio de um agir fronteiriço, crítico e dialógico, uma proposta interdisciplinar comprometida com valores democráticos e com o enfrentamento das iniquidades sociais em saúde. Os saberes e as práticas tradicionais e contemporâneas de grupos étnico-culturais, diversos daqueles do norte global, bem como as racionalidades e práticas complementares e integrativas, não têm centralidade nas discussões da Saúde Coletiva. Assim prejudicaram-se as reflexões relativas à interepistemicidade. É necessário avançar na construção de conhecimentos híbridos, criados na porosidade entre as epistemologias tradicionais, complementares e integrativas, rompendo a subalternidade colonial de saberes e com práticas excludentes. Neste eixo serão bem-vindas reflexões que abranjam: Práticas Tradicionais, Complementares e Integrativas; Gestão das PICS no SUS; Difusão, Divulgação e Utilização das PICS em tempos de pandemia; Novos saberes, saberes em diálogo em estudos teóricos, metodológicos e práticas inclusivas (participativas, colaborativas) das diferentes pessoas envolvidas (comunidade, estudantes, famílias, movimentos sociais, profissionais, pesquisadores, gestores etc.) em articulação com os princípios da democracia, da equidade e da justiça social; Saberes e práticas em saúde de grupos étnico-culturais afro-brasileiros, indígenas, ciganos, migrantes, entre outros, produzidos a partir de referenciais tradicionais não ocidentais, ou do sul global.
O termo soberania diz respeito ao exercício do poder nas relações interestatais: o grau de autonomia política, econômica, científica, tecnológica, etc. que cabe a um estado nacional. Na atual etapa de desenvolvimento do capitalismo que, a partir da década de 1990 chamou-se neoliberal, a soberania dos estados nacionais foi relativizada mediante mecanismos de globalização econômica e financeira, tendo sido mantida, entretanto, uma sólida hierarquia de poder entre nações. Neste século, movimentos geopolíticos tendentes a alterar essa hierarquia – a emergência de uma nova potência econômica (China) e militar (Rússia), desafiantes da potência hegemônica (Estados Unidos) e a emergência da pandemia de Covid-19, vêm impactando a globalização em muitos aspectos. No campo da Saúde Coletiva, essa fragilização ficou nítida na dinâmica de produção e distribuição de vacinas e outros produtos de saúde, concentrada em poucos países que praticamente abandonaram as iniciativas multilaterais da OMS e da OMC. Com a guerra na Europa as “cadeias produtivas globais” sofreram, e continuarão a sofrer, importante erosão. Essa conjuntura obriga o Brasil a repensar a sua inserção produtiva e tecnológica internacional, no sentido de aumentar sua soberania no que se refere a produtos industriais de saúde. Em relação aos serviços de saúde, a abertura do setor à entrada de capital estrangeiro permitiu a participação e o controle de empresas estrangeiras na assistência à saúde de forma indiscriminada e vem impactando a relação entre o SUS e a saúde suplementar. O debate sobre o grau de soberania na indústria e nos serviços são os temas centrais deste eixo e sobre os quais se aguarda o envio de trabalhos.
Eixo 10: Saúde Coletiva e a interação entre suas três subáreas disciplinares
A Saúde Coletiva constitui hoje um consolidado espaço social de conhecimentos e práticas em saúde. Em seu crescimento e correspondendo à diversidade de questões colocadas para o conhecimento e para as práticas em saúde, desdobrou-se internamente em três subáreas: a epidemiologia, as ciências sociais e humanas em saúde, e a política, o planejamento e a gestão da saúde. Às especificidades dessas subáreas acrescentou-se o bem-vindo crescimento do leque de suas temáticas próprias, contudo, igualmente reconhecemos a importância da interação entre elas para sustentar a consolidação do campo. Entendemos que as subáreas possuem objetos, métodos e metodologias particulares, em termos do conhecimento científico que será referência para as práticas de saúde, enfatizamos que preocupar-se com essa diversidade é também preocupar-se com esse coletivo, propondo um olhar integrador e uma disposição dialógica na e com a diversidade necessária à Saúde Coletiva. O propósito desta postulação é respeitar a pluralidade tanto quanto o coletivo construído. O eixo busca chamar a atenção para fragmentações que podem obscurecer e afastar o reconhecimento do que é comum às subáreas, bem como das temáticas que lhes são transversais. É urgente um debate nesse sentido, estimulando a comunidade abrasquiana a refletir sobre essa dialética entre o específico e o comum, entre as interfaces possíveis das três subáreas que compõem a Saúde Coletiva, com foco na promoção, prevenção, e recuperação da saúde.
Eixo 11: Educação e Formação em Saúde Coletiva
A política de saúde no Brasil ordena a formação dos trabalhadores do setor e aponta o processo de trabalho em saúde como eixo estruturante para a organização de processos educativos. A formação é reconhecida como componente importante para a qualificação da força de trabalho e para o fortalecimento e desenvolvimento do SUS. A área de trabalho e educação na saúde se debruça sobre o enfrentamento de questões que remetem à transformação das práticas educativas, profissionais e de gestão, desafiando o acesso e a permanência por meio das ações afirmativas, bem como as referências e estratégias metodológicas, a fim de avançar no conhecimento e reconfigurar as práticas. Ressalta-se o esforço que resultou nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos da Saúde, que tomam como meta a formação de profissionais com competências relacionadas à qualidade técnica, ética e às diretrizes do SUS.(…)” Precisamos de um esforço político para sua efetivação e ampliação, além de ferramentas metodológicas nas Instituições de Ensino Superior e escolas técnicas para aproximar a formação dos profissionais de saúde das reais necessidades do SUS. A estratégia da Educação Permanente em Saúde também objetiva a construção de ações que fomentem mudanças nas práticas de trabalho e nas relações sociais entre os cidadãos e os profissionais da saúde, sempre em diálogo com a gestão. Temáticas como a melhoria da qualidade do cuidado, a capacidade de comunicação e o compromisso social entre as equipes de saúde fazem parte das ações da EPS. Importa refletir e propor políticas indutoras da formação de pessoal especializado voltadas ao SUS como, por exemplo, a regulação e ampliação de vagas de residências médicas e multiprofissionais, necessária para enfrentar o desequilíbrio regional de oferta de vagas. Temas como a regulação do sistema educacional, a internacionalização da formação, o trabalho em rede e a educação interprofissional, modelos de formação, assim como a incorporação de temas emergentes e tecnológicos na formação dos trabalhadores colocam-se como atuais e necessários. Assim como reflexões sobre a formação em práticas complementares e integrativas em saúde, Formação em PICS no SUS e para o SUS; Ensino das PICS na Graduação e Pós Graduação
Eixo 12: Informação, Comunicação e Saúde: diálogos sobre novos cenários e desafios para a Saúde Coletiva
Problematizamos interfaces e cenários de comunicação e de informação nas práticas do SUS no contexto da saúde. As reflexões partem das premissas: direito à comunicação e à informação é essencial para a garantia do direito à saúde; sistemas de informação em saúde são estratégicos e patrimônio da sociedade brasileira. Promover diálogos que ampliem a participação social, fortaleçam a governança pública, diminuam assimetrias e desnaturalizem desigualdades. Pretende-se realizar o debate deste eixo temático incentivando trabalhos que focalizem alguns dos temas propostos a seguir: Tensões e contradições das tecnologias digitais, impactos em práticas e saberes nas redes de atenção à saúde; novas formas de comunicação e informação em saúde; Efeitos da adesão acrítica às tecnologias digitais e da invisibilidade da excelência no setor público na capacidade do SUS em produzir e difundir informações qualificadas em saúde; Desinformação (discursos colonizadores, infodemia e fake news); repercussão nas relações sociais e na credibilidade do SUS; Desmonte do Estado, privatização das infraestruturas públicas de comunicação e informação, transformação digital e mercantilização da vida (privacidade dos dados dos cidadãos, precarização do trabalho, tecnologias de controle digital); Novos regimes de produção de informação e diálogos entre ciência e saberes populares; novos atores sociais, produção de visibilidades, reconhecimento social e intervenção nas políticas públicas; exclusão e disputas por escuta no espaço público. Mídias Sociais e estratégias de regulação. Utilização de estratégias de comunicação e educação para a promoção da saúde. Sistemas de informações da saúde (SIM, SIH, SINAN, etc): suas contribuições e necessidades de qualificação para a democracia, diversidade, equidade e justiça social.
Eixo 13: Interseccionalidades, lutas sociais e direitos humanos na saúde
Nas últimas décadas, temos uma profusa transformação das lutas por justiça social e equidade, impulsionadas por grupos sociais e minorias historicamente invisibilizados, como mulheres, população negra, povos indígenas e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e população LGBTQI+. Tanto na atuação política quanto na produção de conhecimento eles têm protagonizado e reconfigurado os debates sobre diversidades e inclusão social, evidenciando as interseções entre gênero, racismo, etnicidade, deficiência e heteronormatividade na produção de desigualdades sociais e em saúde. Essa produção acadêmica consolidou o debate das interseccionalidades, e, dessa forma, tem fortalecido a luta desses grupos na defesa dos direitos humanos. Nesse eixo, convidamos contribuições das diversas abordagens metodológicas para, numa perspectiva interseccional, evidenciar e discutir as diversidades, desigualdades e injustiças sociais e em saúde. Buscamos trabalhos que visibilizem e reflitam o protagonismo e o caráter propositivo das lutas sociais de mulheres, população negra, povos indígenas e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e população LGBTQI+, e demais grupos em situação de vulnerabilidades, na defesa dos direitos humanos e na formulação de políticas públicas. Procuramos fortalecer no campo da saúde coletiva as discussões sobre racismo, etnicidades, gênero, acessibilidade, inclusão social e diversidades.